Derrotado nas eleições, com avaliação em baixa e vendo o avanço pela vacina no mundo, presidente sai de cena e Anvisa anuncia compra emergencial.Correndo atrás. Diante de notícias vindas de vários países do mundo de que a imunização contra o novo coronavírus deve começar nas próximas semanas, o governo brasileiro começa a sair de sua indefensável posição antivacina para ensaiar uma adesão ao movimento internacional. Mas como tudo que vem do governo Jair Bolsonaro no que concerne à pandemia, essa mudança de discurso é confusa, ambígua e não traz junto com ela um planejamento racional e claro de estratégia.
Caladinho. A mudança de comportamento da Anvisa e do Ministério da Saúde vem acompanhada de mais um daqueles momentos em que Bolsonaro fica calado por alguns dias. Desde a eleição não se tem declarações perturbadoras, negacionistas ou desinformativas do presidente da República, o que é quase um recorde para períodos recentes.
Por que será? Seria esse silêncio e essa discreta saída dos holofotes fruto da constatação, no entorno do presidente, de que ele ficaria isolado de uma forma ainda mais perigosa do que já esteve em vários momentos da pandemia se mantivesse o firme propósito que vinha demonstrando de atrapalhar a adesão do Brasil a um plano global de vacinação? Isso já é muito evidente nas declarações francamente favoráveis à vacina por parte de prefeitos eleitos e reeleitos e governadores, e o Congresso e o Supremo Tribunal Federal têm dado recados claros de que não vão permitir que o Executivo e a Anvisa boicotem a entrada no Brasil no rol de nações que protegem sua população contra o novo coronavírus.
Tem medo. Bolsonaro é um governante inseguro e covarde, como já pontuei em inúmeros textos nesses dois anos de governo. Sempre que se sente acuado pelas instituições ele insiste um pouco na postura radical, para dar satisfações à sua turba irracional das redes sociais e do entorno mais ideológico, mas depois recua, cede, aquiesce.
Cadê o clã? Notem que os filhos barulhentos do presidente também estão quietinhos. Donald Trump perdeu e a China reagiu (Eduardo sai enfraquecido), a investigação das rachadinhas só faz avançar (Flávio se esconde) e a votação no Rio e no resto do Brasil mostrou que o surto bolsonaresco parece ter ficado em 2018 (Carluxo perde a aura de mago). Nada disso impede que eles reapareçam a qualquer momento criando alguma balbúrdia, mas é importante para entender o padrão de comportamento do bolsonarismo notar e pontuar esses espasmos, porque qualquer tentativa de combater o grupo de forma sistemática e eficiente passa por compreender o papel de cada um dos "meninos" na estratégia que elegeu o pai.
Improviso. Assim, com o campo mais ou menos desimpedido, a Anvisa fez um ensaio de alinhamento com o que vêm fazendo as agências sanitárias mundo afora. Em vez de ser um anúncio claro de que pretende agilizar o registro das vacinas que comprovarem eficácia após os estudos de três fases e todos os protocolos, foi aos poucos: admitiu conceder uma certa autorização emergencial para uso de vacinas antes do registro final. Essa autorização só valeria para o SUS e exigiria que pessoas que resolverem se imunizar com esses fármacos ainda em fase experimental teriam de assinar um termo se responsabilizando por eventuais efeitos adversos. A agência também fez questão de frisar que a autorização seria suspensa caso houvesse os tais efeitos.
Fala, chefe. Com isso, o órgão permite ao presidente continuar cantando de galo, por exemplo, contra a vacina chinesa sem funcionar como um órgão aparelhado que vai obstaculizar sua aprovação. É como considerar que o presidente e suas falas são "placebos" e que vão continuar coexistindo com a esperada vacinação.