Denúncias sobre abuso de poder, uso da máquina e atravessamento de linhas entre a gestão pública e a campanha eleitoral podem começar a aparecer com mais força nas próximas semanas. As irregularidades já são tônica conhecida nas semanas que antecedem eleições e neste ano não deverá ser diferente, de acordo com advogados com atuação em campanhas municipais consultados pelo BRP.
Santinhos de candidatos jogados em via pública antes da eleição Foto: Fabio Motta/Estadão
O advogado que trabalhou na campanha municipal do ex-prefeito de São Paulo Fernando Haddad e atua neste ano na do candidato do PT na cidade Fernando Neisser, considera o uso eleitoral da máquina “epidêmico” no Brasil. “Arriscaria dizer que a imensa maioria dos governantes de alguma forma usam da posição quando chega o período eleitoral”, avalia. O jurista menciona a campanha a partir de prédios públicos e até o uso de bancos de dados da administração para fins eleitorais, além de calendário voltado a entregas nos últimos meses de mandato como alguns dos exemplos.
Além das ações, segundo o presidente da comissão eleitoral da OAB, o advogado Eduardo Damian, que trabalha na campanha do oponente mais forte nas pesquisas ao prefeito do Rio de Janeiro, Eduardo Paes (DEM), os atos irregulares mais comuns versam também sobre o uso de servidor público em horário de expediente para campanha, programas sociais da administração pública em prol de candidatos e inauguração de obras com presença do candidato.
O advogado diz estar atento também à veiculação de vídeos com agentes públicos como secretários da gestão em plataformas de campanha eleitoral. Para ele, a ação pode ser enquadrada em conduta vedada ao agente público.
Além do uso da estrutura pública para a promoção própria em caso de tentativa de reeleição, as condutas irregulares podem alcançar também políticos no poder que não concorrem, mas apoiam sucessores e outros candidatos. Mesmo na eleição municipal, instâncias diferentes do Poder, como o governo do Estado, a Presidência da República, e cargos legislativos podem ser envolvidos se os mandatários usarem a estrutura de governo para a promoção de candidatos.
A linha pode ser tênue. Em São Paulo, candidatos que concorrem à Prefeitura e exercem cargos legislativos já foram acusados de usar servidores de gabinete na campanha, mas negam que tenham feito em horário de expediente. A irregularidade nesse caso se configura se os funcionários usarem o tempo oficial de trabalho na campanha, o que pode ser difícil de fiscalizar, segundo Neisser.
Para o advogado Anderson Pomini, que coordena a área jurídica da campanha de Márcio França (PSB) em São Paulo, a movimentação no sentido de ações como essa devem começar a partir de agora. “Pela nossa experiência, geralmente faltando 10, 15 dias é que as candidaturas costumam avançar os sinais sobre as honras dos adversários”, avalia. Segundo ele, geralmente ações que questionam abuso de poder político são apresentados à Justiça Eleitoral próximo ao dia da eleição ou até depois do pleito através de ação de investigação judicial eleitoral.
Em meio ao mar de denúncias, é o Ministério Público dos Estados que faz a análise para a abertura de processos na Justiça Eleitoral. As Procuradorias têm há alguns meses alertado partidos e emitido recomendações sobre condutas proibidas na campanha para tentar evitar a chuva de processos.
Segundo um integrante do MP em São Paulo, grande parte das denúncias que alegaram abuso de poder até agora nesta eleição versam sobre ações menores, como a tentativa de conceder benefícios para angariar votos. A análise sobre casos como esse, no entanto, dependem de uma investigação maior para chegarem à Justiça Eleitoral./ Roberta Vassallo